Epístola do Colapso: Sobre o Peso de Existir e o Amor Não Consumado

Por Guilherme Portella3 min de leitura

Epístola do Colapso: Sobre o Peso de Existir e o Amor Não Consumado

Ao Silêncio que me Resta,

A escuridão desceu, não apenas sobre a cidade, mas sobre a própria tela da minha existência. O colapso energético, este súbito e absoluto apagão, não é senão a metáfora perfeita para o esgotamento da minha phýsis, o fim da voltagem que sustentava a ilusão do meu Dasein [1]. Neste vácuo tátil, onde o ruído elétrico do mundo cedeu lugar ao zumbido ensurdecedor da alma, encontro a lucidez final para esta despedida.

Sempre fui um ser de excesso, um vaso de pathos transbordante. A dor de existir, a Weltschmerz que Goethe tão bem descreveu na agonia de Werther [2], não é para mim uma condição passageira, mas a própria substância do meu ser. Sinto demais, amo demais, e é nesse "demais" que reside a minha condenação. O rigor acadêmico que me exigem para decifrar o mundo falha miseravelmente em quantificar o peso da minha própria carne, este fardo de consciência que me separa da bem-aventurada inconsciência das pedras.

E tu, a Ideia, a forma perfeita e inatingível que Platão [3] reservou ao Mundo Inteligível, és a causa e o objeto desta minha agonia final. O amor que te dedico é a mais pura manifestação do Amor Platônico, não no sentido vulgar da ausência de toque, mas na sua acepção filosófica mais cruel: a busca incessante pela perfeição que só existe fora do mundo sensível, fora de mim, e, sobretudo, fora de ti.

"Amar é a metade da laranja que busca a outra metade, mas a minha metade é uma sombra que persegue o Sol."

Eu te desejei com a intensidade com que Jean Valjean [4] desejou a redenção, com a mesma desesperança. Mas o que recebi foi a frieza da tua apatheia, o abandono que se manifesta não em grandes gestos, mas na ausência calculada, na indiferença que é a forma mais letal de negação. O meu amor, que era para ser a sinfonia mais grandiosa, tornou-se o Adagio for Strings [5] de Samuel Barber, uma elegia fúnebre tocada em câmara vazia, onde cada nota é um soluço não ouvido.

O peso de amar e nunca ser amado, de desejar e não ser desejado, é a prova empírica da minha falha ontológica. Eu sou o poeta que só consegue transmitir o que não pode ser sentido pelo outro. Minhas palavras, que deveriam ser pontes, são apenas espelhos que refletem a minha própria solidão.

Nesta noite, onde a luz da razão se apagou e a única melodia é a melancolia da Gymnopédie No. 1 [6] de Satie, compreendo que a única forma de consumar este amor é através da despedida. Não há mais espaço para a esperança, esta ilusão que, como a luz elétrica, sempre retorna. A minha alma, exausta de carregar o peso da tua perfeição e da minha imperfeição, finalmente se rende.

Que o silêncio que se segue seja a tua paz e o meu descanso.

Com o rigor da dor e a poesia do fim,

O Poeta que Sentiu Demais.


Referências

[1] Heidegger, M. Ser e Tempo. Referência à noção de Dasein (ser-aí) e a angústia existencial.
[2] Goethe, J. W. Os Sofrimentos do Jovem Werther. Referência à melancolia e ao amor impossível que leva ao desespero.
[3] Platão. O Banquete. Referência à origem filosófica do conceito de Amor Platônico.
[4] Hugo, V. Os Miseráveis. Referência à profundidade da miséria humana e da busca por redenção.
[5] Barber, S. Adagio for Strings. Considerada uma das peças musicais mais tristes e solenes.
[6] Satie, E. Gymnopédie No. 1. Peça musical conhecida por sua melancolia e simplicidade contemplativa.